Tirar uma foto para ajudá-lo a lembrar de uma coisa pode acabar, na verdade, fazendo você esquecê-la. Essa é a conclusão de um estudo recente da Universidade Fairfield, em Connecticut (EUA), divulgado na semana passada.
“Quando as pessoas contam com a tecnologia para lembrá-las –contando com uma câmera para registrar um evento e, assim, não precisando voltar para lá toda a sua atenção–, ela pode ter um impacto negativo em como elas se lembram de suas experiências”, afirmou em um comunicado a cientista especializada em psicologia Linda Henkel, responsável pelo estudo.
Corta para o novo comercial de Natal da Apple:
“Um adolescente surpreende sua família com um presente de Natal carinhoso”, diz a descrição do anúncio do iPhone 5S. Lançado na segunda-feira (16), o vídeo foi visto por mais de 1,5 milhão de pessoas até agora e reproduzido em quase todos os veículos especializados em tecnologia.
O anúncio, intitulado “Misunderstood” [mal compreendido], mostra a reunião de uma família para o feriado cristão. De cabelos longos, o personagem principal é um jovem que não larga o seu smartphone. Durante toda a preparação para a data –e momentos de descontração com outros parentes mais novos– o garoto, embora fisicamente presente, se encontra meio desligado, olhando para a telinha em mãos.
Na hora de abrir os presentes, o adolescente se levanta e transmite na TV um vídeo gravado e editado no iPhone, com imagens dos principais momentos da véspera. Vemos então integrantes da família aplaudindo e chorando. “Meu filho não estava abrindo mão das pessoas que ama para ficar no celular!”, deve ter pensado a mãe, aliviada. “Era só um vídeo bonitinho de todo mundo junto. É o verdadeiro espírito do Natal.”
Não vou negar, o comercial é bonito, bem produzido e bastante sentimental. Mas ele escancara um problema (pelo menos é assim que enxergo esse comportamento) recente das interações humanas, agora que os dispositivos móveis fazem parte do universo de tanta gente.
O problema é: nós não estamos aproveitando a vida como deveríamos.
Falo de você que, na mesa do bar ou do restaurante, checa o celular a cada 60 segundos. De você que, enquanto conversa com alguém pessoalmente, troca mensagens com outrem. De você que lota o Instagram com fotos de comida ou de qualquer outra coisa ao redor, em vez de viver o momento com suas próprias “lentes”. Deixo claro: o problema não é fazer essas coisas; é fazê-las em excesso.
Você provavelmente já entendeu aonde quero chegar com tudo isso. O garoto do comercial da Apple pode ter passado todo aquele tempo concentrado no iPhone para “surpreender sua família com um presente de Natal carinhoso”. Mas quantas experiências ele realmente vivenciou?
Em 0:15, as mulheres da casa estão na cozinha –por que só as mulheres?– preparando doces natalinos, enquanto o jovem mexe no celular. Em 0:21, seus parentes mais novos montam um boneco de neve –sem tirar os olhos da telinha, ele apenas lhes entrega uma cenoura para servir de nariz. Durante a montagem da árvore de Natal, em 0:28, ele posiciona um enfeite e retorna para o aparelho, vidrado.
Em carne e osso, ele está em todos esses lugares. Mas não está prestando atenção totalmente no que acontece no mundo real. É como se estivesse dirigindo e escrevendo uma mensagem de texto para alguém (por favor, não faça isso).
Do que ele vai se lembrar no futuro? Cientistas apontam que, para uma memória de curto prazo –que pode ser esquecida dentro de pouco tempo– se tornar duradoura ou permanente, ela precisa ser marcante. Para ser guardado mesmo na mente de uma pessoa, um acontecimento precisa ser importante para ela.
Talvez o vídeo –se não for apagado ou perdido de alguma forma– ajude o jovem a se lembrar das coisas que sua família fez no Natal de 2013. Mas ele nunca vai poder dizer que, naquele ano, patinou junto com seus primos ou ajudou a fazer um doce natalino.
Horizontal x vertical
O comercial da Apple é também engraçado. Por quê? Reparem em como, em todos os instantes, o jovem faz filmagens com o iPhone “em pé”, na vertical. Mas o vídeo final está no modo paisagem, na horizontal?????
Já fizeram até uma paródia para mostrar como a propaganda deveria ter sido: